sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Brasil, um paraíso pagão?

Fonte primária - http://cidadaniasagrada.wordpress.com/brasil-um-paraiso-pagao/
autora:

"Brasil, um paraíso pagão?"


Quando eu era criança, ensinaram-me na escola que o Brasil, o meu país, havia sido descoberto por acaso; que uma calmaria havia desviado as caravelas de Pedro Álvares Cabral em 1500 de sua rota para as Índias, e acidentalmente vieram aqueles bravos navegadores a “descobrir” o Brasil. Então esta terra gigantesca, com sua maior floresta do mundo (que era ainda maior antes de qualquer desmatamento), com seu maior rio do mundo e suas colossais cachoeiras, seu imenso litoral pontilhado de ilhas, tudo isso havia ficado completamente ignorado e desconhecido pelos civilizados europeus durante milênios. Até que em “um formoso e claro dia 22 de abril”, como dizia a canção escolar, por acaso, algumas naus portuguesas vieram parar aqui por falta de vento.

Também aprendi que a nova terra havia sido inicialmente confundida com uma ilha e batizada de Ilha de Vera Cruz. Como criança, entendi “batizada” literalmente, pois havia até um padre – Frei Henrique Soares – com missal, cruz e tudo, e até rezou a primeira missa no Brasil. Padre, sim, senhor – a mente simples de uma criança não compreende as diferenças sutis entre padre, frade, etc. Agora, o que um padre – ou frade, sei lá – estava fazendo no meio de um monte de marinheiros procurando uma rota comercial para as Índias, isso não ficou muito claro nas nossas cabecinhas. Mas a professora sabia muito, então devia ser isso mesmo. Talvez o padre também quisesse comprar canela, pimenta e noz-moscada. Segundo a professora, era isso que os marinheiros iam buscar lá nas Índias.

Mais tarde, ainda na escola primária, ensinaram-me que os primeiros portugueses que habitaram o Brasil não vieram por vontade própria: eram degredados, criminosos sentenciados ao exílio. Nós, brasileiros, éramos uma raça inferior, uma mistura de africanos subdesenvolvidos, índios preguiçosos e portugueses malfeitores expulsos de Portugal. Ainda me lembro do mal-estar que isso me causou, e também das carinhas tristes de meus colegas. Sentimos vergonha de sermos brasileiros.

Esse sentimento de humilhação foi aumentado pelos lançamentos de filmes e minisséries de quinta categoria, que mostravam a História do Brasil como uma sucessão de trapalhadas, cometidas por reis despreparados, medrosos e até mesmo glutões.

Às vezes sentia-me confusa quando me pegava admirando uma beleza natural ou histórica do Brasil, ou lendo alguma lenda indígena brasileira. Como algo tão bonito poderia pertencer a um povo pequeno, a uma terra maldita?

Cresci procurando esquecer essa herança; durante os anos de meu Ensino Médio e o início da faculdade, concentrei-me em estudar para me profissionalizar rápido. Às vezes, buscava nas religiões que conhecia um alívio para esse vazio interior. Mas tudo o que eu recebia era a idéia de que a Terra é um lugar imperfeito, triste, de provação; porque os seres humanos são imperfeitos, ou porque pecaram, e destituídos estão de qualquer glória, neste mundo terreno e triste. E assim, de religião em religião, eu ia me percebendo cada vez mais sem esperança.

E então, um dia, eu soube das antigas religiões pagãs. Aprendi que na Antiguidade o mundo material não era visto como uma coisa separada do mundo espiritual; que o divino estava na natureza, que tudo que existia era sagrado, inclusive nós mesmos, seres humanos.

Identifiquei-me imediatamente com essa visão, particularmente com o Druidismo. Passei a ler, buscar, estudar tudo o que dizia respeito a isso. E senti uma nova esperança crescer dentro de mim, como há anos eu não sentia.

Um dia, procurando uma palavra em um dicionário de mitologia celta, esbarrei acidentalmente com o verbete Brasil. Mal consegui acreditar no que via: segundo o dicionário, Brasil era uma ilha lendária da mitologia celta irlandesa, uma terra feérica, cheia de encantos, mistérios e fartura. E que o nome do país sul-americano Brasil poderia ou não ter se originado dessa ilha lendária.



Descobri que muitos historiadores já haviam mencionado essa teoria em seus estudos. Perguntei-me frustrada por que não nos ensinaram isso na escola também; e por que não nos deixaram a opção de acreditarmos no que quisésssemos…

Mais tarde, em cursos de pós-graduação, descobri que muitos degredados enviados por Portugal ao Brasil não eram criminosos comuns; eram na verdade pessoas que haviam sido consideradas perigosas por serem subversivas, ou condenadas pela Inquisição .Entre eles, indivíduos letrados como judeus e muçulmanos, e muitas mulheres acusadas de feitiçaria.

Também aprendi sobre os reinos ricos e desenvolvidos da África, sobre a complexa organização dos índios brasileiros e sobre o Império Ultramarino português, tão vasto que se estendia do Brasil até Nagasaki no Japão. Descobri que o Brasil teve três monarcas inteligentes, cultos e devotados, que fizeram uma diferença positiva na história e no destino do Brasil.

Então percebi que o Brasil era realmente uma terra maravilhosa, com um povo maravilhoso - um verdadeiro paraíso mitológico, com 11% da água potável do planeta, a maior floresta, o maior rio, um dos maiores litorais, e um solo tão fértil, que só poderia mesmo ser uma terra do Outro Mundo.

“A terra, em si, é de muito bons ares. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem.”

(Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal em 1500.)


Autora -

BANDRUIR – Estudou Comunicação Social (graduação), Relações Internacionais e História (pós-graduação especialização). Trabalha como professora de idiomas e tradutora, já tendo traduzido livros na área de História. É fundadora e diretora da GERGÓVIA Escola de Druidismo e Cultura Celta e da Ordem Druídica DRUNEMETON. Druidesa, praticante e pesquisadora de Paganismo desde 1986, com ênfase em magia druídica e cultura celta, já palestrou em diversos eventos religiosos pelo Brasil. Nas horas vagas, dedica-se ao estudo de plantas e a trabalho voluntário na Floresta da Tijuca, no RJ.