segunda-feira, 4 de abril de 2011

Reflexões de um pagão entediado

Reflexões de um pagão entediado

Certo dia, após um curto diálogo com uma amiga cristã de velha data, surgiram algumas questões que atiçaram meu pensamento. Questões estas que de fato já sabia a resposta (sabia?), mas me permiti elaborá-las de maneira um pouco mais metódica em papel passado (ou teclado) para que pudesse compreender as respostas da melhor maneira possível.

Surgem as questões e acusações: (1) o que impulsiona você a criticar o cristianismo? Converter cristãos em pagãos? Desacreditar os cristãos de suas crenças e jogá-los num lamaçal de niilismo? Encher o saco dos cristãos? (2) Você é um radical?! Sua postura pregadora em relação ao paganismo faz de ti um radical! (faz?) (3) Por que você sempre tenta vincular as características de personalidade e sociabilidade das pessoas à crenças/religiões? Você não se cansa disso? (4) Você realmente acha que não sou uma cristã por não seguir a bíblia a fundo? Isto varia de interpretação e nem por isso deixo de ser uma cristã.

De antemão é necessário ressaltar que, a exemplo de Nietzsche, seria tolice, da minha parte, odiar um indivíduo em decorrência de uma mazela que vem de milênios, (1) mas os motivos que me levaram a criticar incansavelmente aquilo que podemos compreender por ideologia ou moralidade cristã, e conseqüentemente as derivadas instituições cristãs decorrentes das várias interpretações do texto sagrado (bíblia), estão muito próximos dos motivos que levaram o próprio Nietzsche a declarar guerra ao cristianismo: a repressão aos instintos, as individualidades, a diversidade; o ódio a vida dissimulado por mandamentos e ditames morais, o ódio a natureza, o ódio a tudo que é grandioso e aristocrático; a inversão de valores necessários a uma vida saudável e elevada em prol duma ilusória e decadente noção de igualdade entre todos aos olhos de Deus. Penso que a própria imagem do Deus cristão (Javé) com toda sua crueldade insana com o que é vivo e vívido, a tudo que é diferente e contrário, aos homossexuais, aos politeístas, como também aqueles que lhe são indiferentes, tenha contribuído majoritariamente para esta minha postura. Sinto pena daqueles ditos cristãos que não lêem verdadeiramente, e principalmente de maneira crítica, seu chamado livro sagrado, este simples mas quase inexistente de reflexão seria o bastante para a descoberta da crueldade dissimulada que pregam a cada momento.

É uma verdade clara que não tento converter cristãos em pagãos, primeiramente pelo simples fato de que tenho muitos fazer na minha vida, não perderia perder meu tempo tão precioso no diálogo com iluminados[1] até porque, para um aristocrata como eu, seria quase ofensivo as doutrinas pagãs torná-las acessíveis a qualquer um. Penso que um indivíduo, nos dias de hoje, com toda a coesão social e formação padronizada aos moldes da boa moral consagrada pelo Estado, só virá a ser considerado pagão em duas condições simples: primeiro se o indivíduo em questão nascer com um espírito pagão, ou seja, encarar naturalmente a natureza enquanto sendo sagrada(este foi o meu caso); em segundo, se desde criança for educado por uma família pagã, aprendendo minimamente a seguir regras morais que lhe proporcionem fazer parte de uma cultura superior. A partir deste ponto de vista penso que alguns cristãos condenados pelas instituições cristãs, ao exemplo de Giordano Bruno, possam ser considerados mais pagão que necessariamente cristãos, justamente por vislumbrarem no mundo natural a sacralidade divina.

Outro ponto importante a ser ressaltado é que, sim! a religião pode proporcionar coisas muito boas, e com isto quero dizer “saudáveis”, sem me referir a uma religiosidade específica, mas de maneira geral. Como o próprio Rubem Alves ressalta na sua obra “O que é religião?”, a crença pode ajudar efetivamente como que uma força auxiliar para o homem que se encontra em apuros; não é de hoje que pesquisas científicas indicam o poder que a misteriosa fé pode exercer naqueles diante de dificuldades, especialmente as referentes a saúde ou mesmo existenciais. A partir daqui pode-se interpretar, ao exemplo do próprio Rubem Alves, a máxima de Karl Marx de que a religião é o ópio do povo de maneira diversa, não simplesmente porque a crença entorpeça, mas também porque ela possa anestesiar a dor, possa ajudar a seguir em frente concedendo esperança mesmo em um mundo de cáos. Provavelmente este fator em potencial sirva como resposta a propagação do cristianismo no ocidente no decorrer dos milênios, o que poderiam fazer milhões de miseráveis no decorrer dos milênios? Desde as excludentes aristocracias romanas ao cruel sistema econômico que se instaurou na revolução industrial, o ser humano produziu, além de tudo, muita miséria e destruição, isto é um fato, a adesão à uma religião que concedesse um mínimo de esperança na superação existencial destas condições foi uma forma que as massas brutalmente escravizadas e submetidas ao poder regente encontraram para seguir em frente; já aqueles miseráveis mais espertos aproveitaram-se desta adesão para controlar as massas e conseguir o que desejavam, manter o poder ou chegar até o poder, mas isto não vem ao caso. O fato é que não almejo arrancar os cristãos de suas crenças só pouquinho hehe, até porque a fé não é uma opção, mas sim o resultado de uma vivência ou experiência a qual só o crente irá compreender, seria tolice imaginar que alguém possa escolher, decidir ou optar por acreditar, tal ato se aproximaria mais da insânia que propriamente da fé; imagine alguém que decida por acreditar que é Napoleão Bonaparte, este ato de insanidade não estaria tão próximo de qualquer outro que optasse por acreditar naquilo que não acredita ser? Entretanto é perceptível para qualquer um desde Max Weber que esta crença, especialmente nas suas manifestações institucionais e expansionistas mais recentes, esteja totalmente vinculada a obtenção de capital por parte dos poucos através da manipulação das massas, como um verdadeiro comercio da fé[2] como sempre houve no passado, mas é absurdo que isto ainda esteja acontecendo em um mundo globalizado e desenvolvido tecnologicamente, um mundo em que as pessoas deveriam ser mais inteligentes? Tenho muita fé que, ao exemplo do Extremo Oriente, o Ocidente um dia possa superar o cristianismo a partir de uma consciente educação, e se for necessário, mergulhar em crenças que lhes sejam saudáveis e vívidas, ao exemplo da sociedade Japonesa quase inteiramente xintoísta e budista; temos como resultado disto uma das populações mais educadas de todos os tempos.

De qualquer forma, como já havia exposta anteriormente, percebo na ideologia e moral cristã e suas instituições a decadência propriamente dita, e por isso não deixo de lado minhas implicações, não nasci para ser uma vaga humana, pastando e vivendo passivamente esperando o mundo se transformar em alguma coisa pior do que já está. Sou um combatente, e combatentes nunca abaixam a cabeça para aquilo que não acreditam, ainda mais para aquilo que denta progressivamente destruí-lo.

(2) Com relação as acusações que me identificaram como um radical, penso que estejam totalmente errôneas, e simbolizem nada mais que uma falácia[3] ad hominem[4]. De fato sou um partidário do paganismo, e por que? Tenho consciência de uma realidade histórica, se o mundo como um todo está passando por um caos ambiental de proporções apocalípticas, as crenças que guiaram a humanidade durante milênios na relação com este mesmo mundo foram determinantes para que a situação presente se concretizasse; o sistema econômico-industrial que se consolidou nos últimos séculos só veio a tomar forma e crescer monstruosamente como esta criatura negra que consome dia após dia o mundo natural a partir da cisão homem x mundo natural ainda na antiguidade, justamente na adesão do cristianismo como religião oficial do Império Romano. De maneira geral no paganismo nunca existiu esta cisão, homem & Natureza sempre foram um único ser, ou melhor, o homem nunca deixou de ser uma pequena parte da Natureza, e esta nunca deixou de alimentá-lo como que uma mãe fiel. Se sou um pregador, sou um pregador desta reconciliação, que na verdade estaria mais para uma re-conscientização que deveria partir da humanidade. Não me considero um radical, nunca agredi fisicamente alguém por conta das minhas crenças e convicções vontade não faltou, nem vivo enchendo o saco dos meus amigos cristãos para aderir a minha postura, quando penso em um radical religioso, e não somente (existem radicais de todos os gêneros: positivistas, ateístas, filosóficos, existem até uns tais otakus, etc.) imagino alguém difícil de se conviver, aquele que não aceita o diferente, o diverso. Bem, pensando desta forma, talvez eu possa odiar radicalmente os radicais!



[1] O termo iluminado possui origem no latim “lume” (luz), e poderia indicar, ao contrário do que muitos pensam, aquele que adentra as trevas; o prefixo “ i ” do termo iluminado poderia indicar o indivíduo que sai do lume, e adentra as trevas, ao exemplo de ignorante, aquele que é destituído de conhecimento, ou mesmo idiota, indivíduo estúpido com falta de bom senso.

[3] Argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na capacidade de provar eficazmente o que alega.

[4] Em vez de o argumentador provar a falsidade do enunciado, ele ataca a pessoa que fez o enunciado.

domingo, 20 de fevereiro de 2011